Realizado fora do Senado pela segunda vez em sua história, o Projeto Pauta Feminina levou a Planaltina, região administrativa do Distrito Federal, o debate sobre “Independência econômica: superar obstáculos para prevenir violências e promover autonomia”.
O encontro foi coordenado pelo chefe substituto do Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM), Walber Jean Borges, e mobilizou mais de cinquenta mulheres da região, e também alguns homens, que se abrigaram sob uma tenda branca na parte externa do CEAM. Parte delas, eram alunas do professor Herbert Vale, do projeto Picasso Não Pichava, e davam cores ao local com suas pinturas em tela.
Lenda
Atriz e poetisa, Jirlene Pascoal interpretou belo texto, rico em simbolismos, que alude a uma lenda de que as mulheres já foram árvores um dia, quando suas pernas eram raízes, seus braços, galhos e, seus cabelos, folhas, flores e frutos – e eram amadas por todos os seres.
“Um dia, precisaram criar pernas para fugir à ganância, ao poder e à sede de riqueza introduzidas pelo ser humano, algumas perderam sua conexão com a mãe-terra e, desenraizadas, morreram; outras, se subordinaram aos seres humanos; mas uma terceira parte se reconecta sempre com sua natureza arbórea”, segundo a narradora.
“Acontece que a grande árvore anciã determinou que toda mulher que nascesse teria uma árvore dentro de si, chamada útero”. É por isso que “aquelas que louvam o sol sobre a pele, o vento nos cabelos, o canto dos pássaros e o som da cachoeira são mulheres que se reconectam com a grande raiz da árvore-anciã”.
Mães
Carlos Henrique Moraes, educador Social do projeto Esporte à Meia Noite no CAIC Assis Chateaubriand, em Planaltina, manteve alto a chama de calor e esperança, com seu relato sobre o significativo retorno social da experiência de investir na qualificação profissional das mães das crianças em grande vulnerabilidade social, em parceria com o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec 1000).
“Se a mulher recebe R$100,00, ela aplica R$101,00 na família”, disse. Segundo Carlos Henrique, muitas mulheres já superaram a dependência de programas de transferência de renda. Mesmo com a redução da equipe de 21 pessoas que atendia a um conjunto de 160 adolescentes, para basicamente 2, sua equipe consegue atender 570 mulheres ao mês.
Senado
Maria Terezinha Nunes, gestora do Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça do Senado Federal, representou a Diretoria Geral e fez uma compilação de importantes passos da Casa em direção a garantia de direitos das mulheres. Antes, Terezinha contextualizou a atuação das mulheres organizadas em movimentos sociais e em ONGs que ajudaram a tecer a rede de proteção vítimas de violência desde a década de 1980.
“Na época, os agressores eram absolvidos com muita facilidade e as mulheres se organizaram contra essa situação. Elas logo criaram também os primeiros serviços de atendimento, pressionaram o estado para criar equipamentos como as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher e levantaram questionamentos sobre porque as mulheres não conseguiam sair do ciclo de violência – e a dependência econômica foi um dos fatores que emergiram nesses questionamentos”, disse Terezinha.
A gestora lembrou que desde 2005 o instituto de pesquisas do Senado faz uma pesquisa bienal, por telefone, sobre a violência contra as mulheres; a adesão ao Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça; a criação do Comitê Permanente pela Promoção da Igualdade de Gênero e Raça; o curso de educação à distância (EAD) Dialogando sobre a Lei Maria da Penha; e o Programa de Assistência à Mulher em Situação de Violência, que prevê a destinação de 2% das vagas a mulheres em situação de violência, que tem tido grande repercussão, sendo um dos pontos destacados no projeto Senado nas Casas Legislativas, que corre o país disseminando as práticas de igualdade de gênero da Casa.
OAB
Lucia Bessa, presidente da Comissão Especial de Combate à Violência Familiar da OAB-DF, lembrou que acompanhou a iniciativa do Senado quando era titular da subsecretaria de Política das Mulheres do governo de Brasília, que então fazia a Campanha Com que Bolsa Eu Vou, em favor das mulheres em situação de rua.
“Ato seguinte, nós levamos essa proposta à Câmara Legislativa do Distrito Federal, chegando a um patamar de 5% a cada contrato terceirizado na CLDF. Hoje essa modalidade contratual já foi apresentada até à ONU e vai ser aplicada pelo mundo. Práticas assim, que ganham corpo a partir de organismos públicos comprometidos e de pessoas sensíveis, têm que ser replicadas”, defendeu.
A advogada também destacou iniciativas da OAB referentes aos projetos de Advocacia pela Paz no Lar, que dá grande ênfase a questões da mulher negra, população LGBT e mulheres idosas, e Educação para a Paz, que percorre as regiões administrativas falando sobre as consequências da violência doméstica sobre o contexto escolar.
Diálogo
Alexandra Luciana Costa, atual subsecretária de Políticas para Mulheres do Governo do Distrital, elogiou a realização do debate em Planaltina. “Essa Pauta Feminina itinerante torna possível ocupar os espaços e estimular o diálogo para ouvir a sociedade civil”.
A subsecretária se referiu aos 17 equipamentos públicos de prestação de serviços da pasta – nove Núcleos de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica (Nafavd), quatro Centros Especializados de Atendimento às Mulheres (Ceam), a Casa Abrigo, a Casa da Mulher Brasileira e duas Unidades de Atendimento Móvel da Mulher do Campo e do Cerrado – e destacou a importância da elaboração do 2º Plano Distrital Políticas Públicas para as Mulheres.
Redução
Durante o debate, Tamara Naiz, integrante da União Brasileira de Mulheres, pesquisadora e doutoranda em História Econômica do Brasil, disse que as estatísticas indicam que há um aumento da violência contra as mulheres em Brasília, fato que ela associa à perda de poder da pasta, que já foi uma secretaria autônoma e hoje é apenas uma subsecretaria.
Para Lúcia Bessa, as mulheres não devem pensar nisso apenas a partir do quadro local. “É visível que nós mulheres não somos prioridade para esse governo. Depois de muitas mudanças, o governo fez mais uma sem consultar o Conselho nacional de Políticas de Mulheres, tirando a pasta de mulheres da Presidência da República e subordinando-a ao Ministério dos Direitos Humanos”, criticou a advogada.
Participaram da pauta, Henrique Marques Ribeiro, coordenador do Observatório da Violência contra a Mulher; Georgina Fagundes, da ONG Arcana; Keila Nascimento, Casa Civil; Emília Cardoso, Secretaria de Segurança; Arenilda da Silva; integrantes do Programa de Prevenção à Violência Doméstica (Provid), da Polícia Militar; e as alunas de pintura do prof. Herbert: Maria Marluce Campos, Nilza Alves, Joaquina Maria de Oliveira, Márcia Matilde de Oliveira; Filomena Alves de Souza; Maria Elisabete Santos e Maria Alves Batista.
Fonte: Senado Federal